(Bruna Oliva)
É comum o Fantástico, exibido aos domingos a noite pela Rede Globo, incluir pautas futurísticas em sua programação. Geralmente exploram novas pesquisas de estudiosos internacionais, aparentemente para passar à população a ideia de maior credibilidade. Mas, a matéria veiculada no dia 19 de setembro, que fala sobre os eletrodomésticos que vão “bombar” – expressão usada pelo âncora – em 2050, foi realizada com pesquisadores brasileiros. Como toda matéria futurística do “Show da Vida”, tenha a essência americana ou brasileira, não passa de uma analogia. De fato, não há uma comprovação de que isso um dia acontecerá, ainda mais no ano de 2050, ao certo. Por enquanto, são apenas estudos e promessas.
Considerando que toda tecnologia ao surgir repentinamente atinge, a princípio, às classes mais altas. Suponhamos que no ano idealizado estes eletrodomésticos comecem a aparecer, serão acessíveis à população? Em momento nenhum a matéria fala de possíveis valores destas novas invenções. Portanto, qual a utilidade da matéria à população em geral? Ainda mais que o programa é exibido em horário nobre, aos domingos e, consequentemente, dedicado a todas as classes.
O espelho do futuro é praticamente uma releitura do guarda-roupa mostrado no filme “As Patricinhas de Beverly Hills”, lançado em 1995. A protagonista Cher Horowitz, interpretada por Alicia Silverstone, escolhe uma roupa para ir à escola e um computador, acoplado ao móvel, informa se as peças estão combinando ou não. A princípio, a “cobaia” do estudo – e personagem da matéria – fica entusiasmada com a ideia de um espelho que a ajudasse a escolher o melhor modelito. Porém, nem ela gostou da roupa escolhida pelo objeto “sabichão”. O repórter ainda tenta sair pela tangente com a resposta da entrevistada, falando que logo a nova tecnologia vai compreender o que a pessoa quer. Além disso, não traz nenhum argumento que comprove uma possível compreensão da máquina e já muda para outro assunto.
Quando a família escolhida vai conhecer a “casa do futuro” a produção planeja uma situação em que dois irmãos estão no mesmo cômodo, mas em atividades diferentes. O irmão jogando vídeo-game e a irmã navegando na internet pelo notebook. Posteriormente, os dois se juntam ao redor de uma mesa computadorizada e depois em um jogo em frente a TV. E o repórter deixa uma pergunta no ar: “Será que no futuro ficaremos mais próximos”? Próximos sim, já que estão no mesmo espaço e compartilhando do mesmo objeto. Mas a interação humana, de fato, não existirá, pois toda a atenção continuará sendo dada à tecnologia.
Aparentemente, segundo a matéria, a cozinha será um dos cômodos com maiores interferências dos eletrodomésticos futurísticos. A geladeira vai programar o que falta e logo mandará um e-mail para o supermercado pedindo mais produtos. A vontade humana, onde fica nessa história? E se a pessoa, seja por qualquer motivo, não quiser mais consumir o produto faltante?
Outra utilidade da cozinha – não especifica qual eletrodoméstico – é reconhecer se a pessoa está utilizando farinha em vez de açúcar. Não seria mais fácil a pessoa ficar atenta para não trocar os produtos? Ou então ter o “cansativo trabalho” de olhar a embalagem? Com toda essa mordomia, a autonomia humana poderá ser perdida. Afinal, se a máquina faz tudo, para quê se preocupar?
Ainda na cozinha, o repórter afirma que restos de comida serão transformados em fertilizantes. Isso , segundo várias pesquisas, é chamado de “reciclagem inteligente”, pois diminui satisfatoriamente a emissão de gás CO2 na atmosfera e gera benefícios ao meio-ambiente. Finalmente, um assunto que merece devida atenção, já que é de utilidade pública. Mas, não teve. No geral, a matéria se preocupou mais em mostrar a comodidade que teremos com os eletrodomésticos futurísticos, partindo para o interesse privado e não para o interesse público.
Ao final da matéria aparenta que tudo acontecerá em um passe de mágica. Se tivermos fome, um capacete terá o poder de ler nossos pensamentos e mandar a ordem para uma cozinha que irá preparar o alimento. A ideia conclusiva é uma analogia de que a máquina será comandada a fazer tudo e, por fim, tomará o lugar da autonomia humana.
Matéria analisada
Matéria analisada
Telejornal: Fantástico
Nenhum comentário:
Postar um comentário